Por Natana Magalhães, mulher negra, historiadora, voluntária AF.
O Janeiro Seco (Dry January) é um movimento que acontece há mais de uma década no Reino Unido e nos Estados Unidos com o objetivo de incentivar boas práticas de saúde através do não consumo de bebidas alcóolicas durante o primeiro mês do ano.
Mais recentemente, essa campanha vem ganhando força em outros países com a ampliação da divulgação de informações sobre os prejuízos causados pelo consumo de álcool. No Brasil, muitos estudiosos já identificam que o incentivo desproporcional em publicidade, por parte da indústria e comércio de bebidas alcoólicas, desconsidera seus danos sociais e econômicos, que são crescentes.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que não há nível seguro de consumo dessa substância, ao passo que a sua redução diminui os problemas a ela associados. Então, é importante pensarmos que esse desafio de se abster por 31 dias é benéfico tanto para alcoolistas como para a sociedade em geral, que pode usufruir das consequências positivas de uma vida sóbria como, por exemplo, a melhoria na sua saúde mental e a redução da exposição à diferentes formas de violências.
Medidas preventivas como a campanha mencionada nos ajuda na criação de novos hábitos e comportamentos, sendo uma ótima oportunidade de dar o primeiro passo para quem já identificou que tem dificuldades em parar de beber. Para colocar o desafio em prática, existe uma série de dicas e metas que podem ser consideradas.
Listaremos algumas:
Incluir bebidas não alcoólicas no consumo diário como: água, água com gás, sucos de frutas, refrigerantes;
Compartilhar seu propósito de não beber com pessoas de sua confiança entre familiares e amigos;
Separar um diário para anotações sobre o processo de mudança de hábitos que inclui não beber;
Observar se existe algum sintoma como tremores, sudorese, ritmo cardíaco aumentado ao cortar o álcool e pedir ajuda profissional.
Uma das coisas que aprendemos em grupos de apoio mútuo é que “o alcoolismo é a doença do ainda”, ou seja, diante da impotência em parar de beber, enquanto se mantém o seu consumo, a frequência e a quantidade aumentam, e a situação se agrava. Então, o que de pior ainda não aconteceu, em algum momento acontecerá. A essa piora progressiva relacionada à dependência causada pelo Transtorno por Uso de Substâncias (TUS) ou Transtorno por Uso de Álcool (TUA), também chamamos de “fundo de poço”, em linguagem de alcoolista, em que nos defrontamos com situações vexatórias e/ou que ameaçam a nossa integridade física, psíquica e espiritual.
A terapeuta Denise Cabral nos diz que a experiência de “fundo de poço” é individual e incomparável. Para algumas pessoas, um único episódio de “apagão” será a situação mais difícil com a qual já lidou e isso poderá motivá-la a buscar ajuda. Outras podem viver um complexo de situações que se acentuam, tornando-as cada vez mais expostas a contextos de risco, que envolvem desde acidentes domésticos à violência contra a própria vida e a de terceiros.
Tendo em vista a sua prática profissional de cuidados de saúde e bem-estar com base na medicina ayurvédica, a cofundadora da Associação Alcoolismo Feminino (AF), também nos ressalta que “o álcool não faz bem a ninguém”. A seguir, traremos alguns dados que corroboram essa afirmação.
A Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas (ABEAD) estimou que, em 2014, 7,3% do PIB nacional tenha sido gasto em problemas relacionados ao consumo de álcool, que envolvem desde doenças a afogamentos, homicídios, suicídios, acidentes de trânsito, problemas perinatais incluindo os Transtornos do Espectro Alcoólico Fetal (TEAF), aumento de doenças infecciosas, dentre outros fatores.
Além disso, A ACT Promoção da Saúde informa que a exposição a condições de vulnerabilidades aumentam as chances de problemas relacionados ao álcool. Essa informação me fez lembrar do prefácio do livro Dependência Química: Racismo, Gênero, Determinantes Sociais e Direitos Humanos (2023), organizado pela ABEAD, em que o psiquiatra Marcelo Niel se refere ao consumo de álcool e outras drogas como uma forma de suavizar o adoecimento psíquico causado por violências estruturais como o racismo, o machismo e outras violências de gênero e a pobreza.
Portanto, tem sido uma preocupação coletiva outras perspectivas numa direção mais saudável e sustentável. Esse tema merece maior expressividade por sua importância e efeitos que podem melhorar nossa qualidade e modos de vida em sociedade. Assim sendo, nós da AF, nos somamos a essa causa e apoiamos a quem quiser maiores informações sobre como é possível buscar uma vida feliz sem álcool, pois é mais fácil acertar o caminho quando quem o conhece segura a nossa mão e segue junto.
Fontes:
Dependência Química: racismo, gênero, determinantes sociais e direitos humanos / Associação Brasileira de Estudos de Álcool e outras Drogas (ABEAD) (org.). – 1.ed. – Curitiba: Appris, 2023.
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