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NÃO É NÃO! Mesmo quando uma mulher alcoolizada diz sim!

Atualizado: 29 de abr.

Por Natana Magalhães, historiadora e voluntária

*Atenção! Conteúdo sensível! O texto abaixo aborda temas relacionados às violências, inclusive sexual, sofridas por mulheres e facilitadas por uso abusivo de álcool.


“Sinto que você precisa aprender a respeitar. O meu corpo, a minha lei e você tem que escutar. Quando eu digo não, é não!” Lila


Dificilmente uma de nós, mulher cis ou trans, não vivenciou ao menos uma situação de abuso. Seja dentro da nossa própria casa, na fila da padaria, na praia, no trabalho, no transporte público. São incontáveis as histórias que ouvimos de nossas amigas, vizinhas, familiares. Por vezes, também temos muitas para compartilhar, quando conseguimos romper o silêncio promovido pelo medo das acusações e julgamentos. Onde e com quem nos sentimos seguras?


No Brasil, apenas em 2018, a importunação sexual passou a ser crime, e isso é fruto da luta dos movimentos de mulheres. Por todo o país, principalmente no carnaval, existem mobilizações com distribuição de panfletos, tatuagens temporárias, cartilhas com o mote “Não é Não”. De acordo com o Código Penal, pela Lei nº 13.718, importunar sexualmente consiste em “praticar contra alguém, e sem a sua anuência, ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de terceiro”.


Essas campanhas são primordiais para naturalizarmos as informações de que ninguém pode tocar, beijar, abraçar ou ter relações sexuais sem o consentimento manifesto, inequívoco e obtido em todas as relações. Mas nesse texto, ressalta-se já no título a necessidade de ampliação do debate, pois o “Não” é crucial e deve ser respeitado imediatamente. No entanto, vão existir casos em que a condição de vulnerabilidade da vítima a impede de oferecer resistência. Ainda assim, ela continuará sendo detentora de plenos direitos e poderá recorrer à justiça, como no caso do crime de estupro de vulnerável que trataremos mais adiante.

Recentemente, tornou-se público um terrível acontecimento a uma jovem, após ter sido abandonada desacordada por um motorista de aplicativo na calçada em frente ao seu prédio. O motorista não conseguiu contato com o irmão da vítima que estaria responsável por recebê-la em casa e a jovem teria desfalecido no trajeto em virtude do consumo de álcool. Até que um desconhecido passou e aproveitando-se da situação e extrema vulnerabilidade da moça, a sequestrou e a estuprou.

Primeiramente, deixo registrada minha solidariedade a essa mulher que não merecia, como nenhuma outra merece, passar por uma violência como essa. É importante dizer isso, pois esse texto e minhas reflexões têm o intuito de contribuir e gerar informações sobre temas relacionados ao alcoolismo e nunca o de culpabilizar a vítima, que normalmente é o que ainda vem sendo motivado pelo “tribunal” das redes sociais e pelo senso comum.

As mulheres estão sofrendo violência dentro de suas próprias casas. Vivemos numa sociedade machista e patriarcal que ainda acredita que os corpos das crianças, de pessoas LGBTQIAPN+ podem ser violados. Nesse sentido, sabemos que estar sóbria não é um fator determinante para prevenir-se da violência, pois é o violentador que escolhe cometer o abuso utilizando força física ou manejos psicológicos. Muitas vezes, ele terá seu ato criminoso respaldado pela cultura do estupro enraizada e difundida em nossa sociedade.


Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstram o aumento da violência nos últimos quatro anos, em que 18,6 milhões de mulheres brasileiras sofreram abusos em 2022. Mais de 21,5 milhões de mulheres são vítimas de violência física ou sexual por parte de parceiros íntimos ou ex-companheiros, representando 33,4% da população feminina do país. 43% das mulheres brasileiras já foram vítimas do parceiro íntimo. Mulheres negras, de baixa escolaridade, com filhos e divorciadas são as principais vítimas, revelou a pesquisa.

As pesquisas apontam ainda que o lugar menos seguro para as mulheres é a própria casa, visto que 53,8% relataram que a agressão mais grave foi a doméstica nos últimos 12 meses. No dia 7 de agosto de 2023, a Lei Maria da Penha completou 17 anos, desde que foi sancionada em 2006, criando mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra mulheres, sendo atualmente ampliada a pessoas de outros gêneros.

Esses aspectos são pertinentes, uma vez que é muito comum mulheres alcoolistas ou que sofreram violência sexual estando alcoolizadas, padecerem por longos anos por se sentirem culpadas pela violência, maus tratos, gravidez indesejada e “Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)” adquiridas em decorrência da violação de seus corpos vulneráveis. Não é algo espantoso, visto que a cultura do estupro mencionada anteriormente por respaldar atitudes criminosas de homens abusivos é a mesma que condena a vítima e não se constrange quando estimula que mulheres se alcoolizem anunciando, por exemplo, um evento com bebida liberada para o público feminino até determinado horário.

Algumas mulheres deixam de acessar recursos gratuitos oferecidos pelo SUS por desconhecimento ou por se sentirem expostas, quando na verdade, é o momento em que mais precisam recorrer a redes de apoio para serem acolhidas e reduzir danos. Por exemplo, a PEP (Profilaxia Pós Exposição) é uma medida de prevenção de urgência para ser utilizada em situação de risco à infecção pelo HIV, existindo também profilaxia específica para o vírus da hepatite B e para outras infecções sexualmente transmissíveis (IST).[1]

Mas saiba que estamos num país em que no ano de 2022 registrou-se 1 estupro a cada 10 minutos. Inclui-se nesses dados meninas e mulheres. É possível que todas estivessem alcoolizadas? Não. Não é. Mas ainda que fosse, temos aparatos legais que visam proteger a dignidade sexual e humana. Um deles é a Lei a seguir:


Artigo 217- A do Código Penal - Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: Pena — reclusão, de oito a 15 anos. §1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência".


O alcoolismo é uma doença crônica e multifatorial definida pela 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID10), da Organização Mundial da Saúde (OMS), podendo conjugar uma série de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa. Estando embriagada a mulher não tem condições de tomar decisão. De acordo com Nucci, é considerada vulnerável a pessoa que, na concepção do legislador, não possui consentimento válido para os atos da vida sexual.[2]

É nesse sentido que precisamos reforçar que a culpa nunca é da vítima, estando ela alcoolizada ou não, sendo jovem, idosa, PcD, de qualquer classe ou raça. Na verdade, não se trata de culpa. Trata-se de uma cultura que culpabiliza as mulheres, que foi construída historicamente, está arraigada na nossa sociedade e que temos lutado muito para que dê lugar a novas formas de nos mantermos vivas, livres e sem medo!


²NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 1226.



Glossário

Cis: abreviação de cisgênero, que é usado para definir a pessoa que se identifica com o gênero associado socialmente ao sexo designado quando nasce.

Cultura do estupro: diz respeito a uma sociedade que banaliza, legitima e, por consequência, tolera agressões e assédios sexuais.

Patriarcado: sistema sociopolítico que construiu uma base de privilégios para os homens cis. Nele, o gênero masculino e a heterossexualidade têm superioridade em relação a outros gêneros e orientações sexuais. Obs.: importante se informar sobre as dimensões raciais para essa discussão

PcD: Pessoa com deficiência. Termo utilizado para se referir às pessoas com deficiência mental, física, sensorial ou intelectual, seja ela de nascença ou adquirida após uma doença ou acidente.

Trans: abreviação de transgênero, que é usado para definir a pessoa que não se identifica com o gênero associado socialmente ao sexo quando nasce.

IST: a terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passa a ser adotada em substituição à expressão Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas.



Fontes:



[1]https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/i/ist [2] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 18 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. P. 1226.

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