
Ser avó, a glória! Bisavó então!
Como era costume dos anos sessenta, casei-me cedo, acabando de completar dezoito anos. Não era mais uma virgem pura, mas não imaginava ficar grávida tão depressa. O nascimentode minha filha foi o êxtase maior de minha vida. Esse sentimento inexplicável de felicidade absoluta veio sem medo, sem culpa, sem arrependimento. Mas minha primeira menina não quis continuar nesta vida e se foi com cinco dias. Horror. Tomei boas doses de uísque depois desse triste acontecimento.
Depois de uma luta insana, consegui ter mais dois filhos para trazer minha alegria de volta.
A vida seguiu tranquila. Quer dizer, para os costumes da época. Não estudei além do que era normal para uma moça e não precisava trabalhar. Em compensação, era perfeita em meu papel de dona de casa, mulher e mãe. Tocava piano e violão, cantava e falava algumas línguas.
Inconformada e briguenta desde sempre, fui fazer um curso na Cruz Vermelha de Enfermagem de Guerra. Trabalhei de graça num hospital de São Paulo com atendimento a parturientes carentes no hospital Matarazzo. Tudo porque queria muito ser instrumentadora cirúrgica, o que consegui a duras penas fazendo um curso de verdade alguns anos depois no Hospital das Clínicas.
Não pensava no futuro, nem no futuro dos filhos. Quando tinha problema em casa, achava que resolvia com um bom uísque. Até que me separei do pai de meus filhos. E tudo foi mudando, a vida cor de rosa se tornou meio acinzentada, a carruagem virou abóbora e meus cavalos se tornaram enormes ratos. Fugi para o Rio de Janeiro, numa fuga desesperada de me encontrar achando que mudando de cidade, hábitos, amizade voltaria a me equilibrar, beber só socialmente e ser feliz.
Comecei a descer a ladeira sem pensar muito. Tinha certeza que não chegaria ao ano 2000. Pela lonjura e por meu modo de beber percebi que estava passando dos limites e não via jeito de parar. Pensava que talvez só conseguisse se morresse. Foi triste. Com a atitude dura de meus filhos e de meu segundo marido, depois de muitas perdas, dores e danos, parei. Foi então que descobri em AA que era portadora de uma doença, a doença da dependência do álcool, o alcoolismo. Em 1986 voltei a ter esperança e mergulhei fundo na programação que me ensinaram.
Hoje, em 2024, quando olho para trás, onde vivia cheia de vergonha, desabada de culpa,
percebo que sou um milagre. Um milagre de mim mesma. Pude ver ao vivo o nascimento de meu primeiro neto, que nasceu urrando com uma boca maior que ele! Acompanhei ao lado de meu filho sua aflição na expectativa do nascimento de sua primeira filha, assim como o nascimento de meu terceiro neto que entrou na vida se espremendo. Em todos esses momentos pensei e me emocionei com o fato de não beber mais. E continuei pensando e orando: “Obrigada meu Pai do Céu por eu ter tido essa oportunidade de participar desses nascimentos, ver essas criaturinhas abençoadas olhando pra mim com olhos desconfiados e amorosos.” Fui um pouco, o que gostaria de ter sido com meus filhos. Guardo no coração suas falas brilhantes, suas conquistas, seus tombos...
Hoje, eles são grandes e o ano 2000 já passou faz tempo. E eu, com ele, sóbria. Mais dois
molequinhos gêmeos chegaram mais tarde, em 2009. Eu colecionava netos, percebia netos, amava netos. Todos longe de mim, mas minha vibração chegava até eles e a deles em mim. Viva a tecnologia que me permite ver e conversar ouvindo suas vozes. Em 2024 chegou iluminado, Bernardo, o nenê mais sorridente do planeta Terra! O primeiro bisneto! Quando poderia imaginar que o Grande Espírito fosse me dar essa chance! Eu que achava não chegar ao ano 2000. Aquela moça que pariu sem muita consciência, perdida nos costumes da época, ainda por cima com essa doença que era só minha, pois nunca vi ninguém em casa ficar embriagada!
Hoje penso e sinto: “Que benção poder acompanhar quase o dia a dia de Bernardo, mesmo que longe.” Quase toco seus pezinhos, suas covinhas, sorrio sua alegria. Fortalecer o ditado: ”Ser avó, bisavó mais ainda, é ser mãe com açúcar.” Receber presentes desses cinco netos, só uma menina, única energia feminina na família e agora um bisneto, é a coisa mais gratificante que posso sentir. Numa pesquisa perguntei a eles: “Quem pensam que sou?” Chorei com as respostas:
“Vovó Tellinha, a heroína, independente do momento, sempre está lá com sua sabedoria,
calma e carisma. Aquela que bateu de frente com ladrões de passarinho na fazenda e botou todos para correr. Vovó Stella, diferente dos outros, me encorajou a subir o rio pelo leito de água, tão alto, mas sabia dos bichos e das pedras! Avó que me ensinou, com poucos anos de vida, a comer homus tahine no dedão do pé enquanto navegávamos pelos mares de Angra!” (Pedro, com 28 anos, pai de Bernardo).
“Ser neta de Stella é para mim um privilégio e a sorte de ter acesso tão íntimo a um
conhecimento transcendental e universal sobre o amor.” (Maria Carolina, 28 anos)
“Vó, você representa uma mulher forte, com sabedoria, atenciosa e presente que dá
segurança sempre a quem está em volta.“ (Lucca, 24 anos)
“Eu não tenho palavras para descrever minha avó. Ela é maravilhosa em todos os sentidos.
Uma mulher que me inspira e que inspira várias outras mulheres que lutam contra o
alcoolismo. Tenho muito orgulho de você, pela pessoa que é e pela pessoa que se tornou. Te amo muito.” (João, 15 anos)
“Acho minha avó uma mulher incrível. Tenho várias memórias nossas na fazenda. Ela me
ensinou a fazer melega, manteiga com mel e que vai ao forno. E lembro de nossos pijamas
quentinhos iguais, de peixinhos. Tenho muito orgulho da mulher que ela é, carinhosa e
amorosa!” (Antônio, 15 anos).
Não estaria passando por essa tamanha alegria, com o coração preenchido de luz e amor se eu não tivesse tomado a decisão de parar, estacionando meu transtorno. Pedi ajuda antes que a doença chegasse a um ponto sem retorno. Fui ajudada pelos companheiros de AA, pelas terapias, por meu mergulho nos estudos sobre a espiritualidade, por minha família, por meu trabalho e, de alguns anos pra cá, como voluntária da AF, uma associação formidável, de ajuda, que me fortalece a vontade e a ter sempre responsabilidade. Só me resta agradecer a cada pessoa que entrou em minha vida e me mantém com disposição, alegria de viver e amor no coração!
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