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Mês de novembro pelo fim da violência contra mulheres e meninas e contra o racismo

Atualizado: 26 de abr.

Por Natana Magalhães, mulher negra, historiadora e voluntária AF






No Brasil, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas foi incorporado no calendário político do mês de novembro, este já historicamente demarcado pela data da Consciência Negra. Dedico as próximas linhas a tratar das duas agendas de lutas tão importantes para a nossa sociedade.


Enquanto escrevo, na minha playlist aleatória, Billie Holiday está cantando uma gravação de 1941 da música Strange Fruit¹, que ficou consagrada em sua voz. Isso toca meu coração profundamente, porque aprecio compartilhar com quem lerá esse texto, sobre a coragem de mulheres que se levantam diante da inaceitável conjuntura de violência a que estamos submetidas, incluindo a da imortal Billie, que foi perseguida até o dia de sua morte pelo governo dos EUA, sofreu inúmeras violências de homens nos relacionamentos que teve ao longo de sua vida. Morreu de insuficiência cardíaca em decorrência do abuso de álcool e heroína e do abuso de racismo e misoginia daquela sociedade. 

A trajetória da diva do jazz se relaciona com a motivação primordial para uma campanha em torno de uma temática social promovida por um grupo que a engendra, que é a necessidade de transformação da condição na qual se encontra. A situação é tão grave para as mulheres que a campanha é mundial e acontece por 16 dias na maioria dos países desde 1991. Ela surge em memória pelo dia 25 de novembro de 1960, quando as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal foram vítimas de feminicídio pela Ditadura de Trujillo, na República Dominicana². No Brasil, optou-se por 21 dias de ativismo como mencionado anteriormente.


Billie Holiday e las mariposas como ficaram conhecidas as três irmãs têm em comum não apenas o fato de serem mulheres, mas a coragem da busca pelo direito à vida plena e livre, o que infelizmente lhes custou as suas. No entanto, nos fez caminhar melhor até aqui. Billie não deixou de cantar a polêmica música que narrava como famílias negras estavam sendo assassinadas e penduradas em árvores num país que se reivindicava democrático. O mundo inteiro conheceu sua música e até os dias atuais pode se emocionar com sua voz rouca, marcante e ritmada. Eu, inclusive, conheci e me fascinei por sua história ainda muito jovem. O patriarcado não foi capaz de cortar as asas das mariposas. Elas voaram tão longe que uma campanha mundial carrega em si sua memória como referência.


E já que estamos falando de legado, o dia 20 de novembro é reivindicado desde a década de 1970 pelo movimento negro, em memória de Zumbi dos Palmares, que foi uma liderança política morta pelos portugueses, que juntamente com Dandara dos Palmares e uma comunidade inteira ergueu o quilombo de mesmo nome no século XVII, como forma de resistência à escravidão.


Assim como as mulheres, dentre elas as negras e indígenas, têm enfrentado uma série de desafios complexos que as colocam numa situação de desvantagem numa sociedade patriarcal e machista, também as pessoas negras têm sido sistematicamente atingidas por desigualdades configuradas historicamente. Afinal, foram mais de 300 anos em que o Brasil baseou toda a sua economia na mão-de-obra desenvolvida por gerações de famílias que nunca receberam por isso, o que criou um fosso social, econômico, político entre pessoas negras e brancas. 


Mas como eu escolhi falar sobre a bravura das mulheres, continuarei citando alguns exemplos, pois na verdade, poderia dedicar-lhes um livro inteiro. Imagine se tia Ciata³ tivesse desistido de reunir as pessoas em sua casa porque era proibido reunião de negros? Se Maria da Penha[4] não tivesse denunciado as sistemáticas violências e dupla tentativa de feminicídio de seu agressor e marido Marco Antônio Heredias Viveros que a deixou tetraplégica? Se Xica Manicongo[5] não tivesse assumido a si mesma ainda no século XVI? Se nós mulheres alcoolistas não apoiássemos umas às outras? Imaginemos todas nós se a Associação Alcoolismo Feminino não tivesse sido criada e continuasse sendo mantida por mulheres corajosas? 


Para encerrar, campanhas como essas também fazem o esforço para que as próprias mulheres e pessoas negras não sejam capturadas por discursos tão contraditórios com sua própria situação. Ou seja, reduzir a falas como “mi mi mi” o fato, por exemplo, de que “4 mulheres são mortas por dia no Brasil”[6]. Ou, a afirmativa de que o dia 20 deveria ser o dia da consciência humana quando, na vida real, a população negra apresenta os piores índices quando medimos todos os aspectos relacionados à qualidade de vida, bem-estar e desenvolvimento social do ser humano.[7]


Existe uma frase célebre da Dra. Jurema Werneck que diz: “nossos passos vêm de longe!”. Com respeito aquelas que lutaram para que chegássemos até aqui, acrescento que continuaremos avançando ombro a ombro, com muita coragem para mudar as coisas que podemos e nunca sozinhas.


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