Por Natana Magalhães, mulher negra, historiadora, graduanda em Psicologia UERJ.
Obrigada, Dona Ivone!
Quanto mais eu desacreditava de mim, mais as coisas a minha volta perdiam o sentido. Lembro de um dia em que eu estava muito mal. O mês era março e eu estava prestes a entrar em recuperação. Quem diria? Já se passou um ano. Em pouco tempo, minha vida mudaria e melhoraria radicalmente.
Mas eu não sabia o que iria acontecer por mais que eu estivesse numa busca incessante por esse caminho. Parecia tão difícil sair do ciclo do alcoolismo; encontrar uma brecha, uma fissura de motivação para romper o looping. Eu me sentia exausta de tanto caminhar como um hamster dentro da bola transparente, podendo observar tudo a sua volta sem tocar, mas girando e girando. Eu precisava furar a bola.
Enquanto isso, eu bebia quase todos os dias, intercalando entre ingerir volumes absurdos que até hoje para mim é algo racionalmente incompreensível e passar o pós-bebedeira com muita ressaca moral, física e espiritual.
Decerto, março é um mês muito simbólico. Meus pais fazem aniversário nesse mês, alguns dos meus amigos e familiares que amo também, acontecem mobilizações contra o racismo na minha cidade e no país todo. Minha mãe nasceu no dia 14. Infelizmente, um dia que ficou marcado pela atrocidade do assassinato de Marielle Franco e que impactou a vida de muitas pessoas do meu convívio e a minha de muitas formas.
No ano passado, eu não tinha condições financeiras de comemorar o aniversário dos meus pais com eles, na cidade onde moram. Lembro de tentar trabalhar de frente para o computador quase doente de ressaca. Já esgotada mentalmente, me bateu um profundo silêncio interior e eu me senti oca por dentro. Ali fiquei por horas ou segundos, eu não sei. O tempo passava de uma forma muito diferente quando eu bebia. Só sei que me entreguei ao vazio.
Parecia não haver nada além de um corpo sentado. Até que uma presença majestosa entrou pela minha janela que estava entreaberta e começou a cantar passeando pelos cômodos da minha casa. Carinhosamente, fui abraçada e acalentada por uma doce voz de Iyabá. Era Dona Ivone, essa joia rara, que começou a cantar em meu peito. Eu ouvia “o canto da noite na boca do vento” e flores voltaram a dançar nos meus pensamentos. Chorei. Chorei copiosamente.
Era eu mesma quem estava morando longe e desORIentada pelo álcool. E se estamos longe dos nossos sonhos, ali não é o nosso lugar. Aquele samba-canção foi me buscar. Só assim, comigo presente pela sobriedade, comecei a rever o que mais na minha vida havia se afastado e senti como nunca antes o que precisava fazer para conseguir voltar a sonhar.
Os meus valores, desejos, sentimentos e itinerários possíveis para cuidar de uma doença tão cruel e que eu precisava enfrentar foram se achegando e tornando-se meu chão e eu pisando "devagarinho". Como disse anteriormente, já faz um ano e eu estou sóbria, viva e realizando sonhos.
Fiquem com uma poesia de minha autoria. Espero que toque o seu coração em ritmo de Ijexá ou de Samba, não importa. O que eu desejo é que minhas sinceras palavras também dancem dentro de você. Só Por Hoje!
Só por Hoje
Hoje as batidas do meu coração
Estão em toque de Ijexá
Ritmadas a bater leves como quem dança
Porque se a vida nos balança, é preciso gingar
E como boa capoeira eu sei
Escorregar não é cair
É jeito que o corpo dá
E eu estou de pé
Dançando a vida como criança
(ORI)entada de Axé
Sentindo o amor da Iyabá em toque ancestral
Bem no meio do meu peito
Bendizendo à vida que
Só Por Hoje
Tudo tem jeito
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