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Saúde Mental, Consumo de Álcool e Cirurgia Bariátrica

Entrevista com a psicóloga Ana Sivieri, especialista em Transtornos Mentais, Obesidade, Emagrecimento, Cirurgia Bariátrica e Membra da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM)





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A obesidade tem crescido exponencialmente em todo o mundo, sendo considerada uma das principais epidemias do Século XXI. Ela é caracterizada pelo acúmulo excessivo de tecido adiposo, resultando em um peso corporal desproporcional à altura, frequentemente acompanhado de inflamação sistêmica leve ou crônica, além de estar associada a diversas comorbidades.

Na Associação Alcoolismo Feminino (AF), muitas mulheres em tratamento do alcoolismo passaram por cirurgia bariátrica, evidenciando a importância de discutirmos essa relação entre saúde mental, consumo de álcool e intervenção médica para perda de peso. Nesta edição, contamos com a participação de uma especialista, que compartilha seu conhecimento e vasta experiência na área da psicologia, sobre esse tema tão relevante.


Alcoolismo Feminino: Qual é a relação entre obesidade e saúde mental? Como essas questões afetam o tratamento de ambos os problemas, considerando a doença e fatores sociais como a pressão estética que recai sobre as mulheres?


Ana Sivieri: A relação entre obesidade e saúde mental é complexa e multifacetada, até pela própria etiologia da obesidade, que é uma doença multifatorial, e as questões emocionais, muitas vezes, são um dos fatores da obesidade. Ansiedade, depressão e transtornos alimentares são os mais comuns. Em muitos casos, pessoas com obesidade podem utilizar a comida como uma forma de lidar com estresse, frustração ou até traumas emocionais. Além disso, o estigma social em torno do peso contribui para uma baixa autoestima e isolamento social, agravando ainda mais a saúde mental. A pressão estética, especialmente sobre as mulheres, é um fator social significativo. Somos constantemente expostas a ideais corporais irreais, que geram expectativas de um corpo "perfeito". As redes sociais têm um papel importante nesse cenário. Isso não apenas causa sofrimento psicológico, mas pode também levar a comportamentos prejudiciais, como dietas extremas, mecanismos purgatórios, compulsão alimentar e sensação de fracasso por não alcançar esses padrões inatingíveis. Essa pressão pode dificultar o tratamento da obesidade, pois muitas mulheres enfrentam conflitos internos entre querer perder peso por razões de saúde e tentar se conformar com padrões estéticos irreais.

 

Alcoolismo Feminino: Há estudos que indicam aumento do consumo de álcool após a cirurgia bariátrica? Quais são os fatores que contribuem para esse risco? Além disso, o que as pacientes devem saber sobre o consumo de álcool antes e após o procedimento?


Ana Sivieri: Sim, diversos estudos indicam um aumento no consumo de álcool após a cirurgia bariátrica, particularmente em cirurgias como o bypass gástrico, onde há uma mudança na forma como o corpo metaboliza o álcool. Os fatores que contribuem para esse risco incluem tanto alterações fisiológicas quanto questões emocionais, especialmente nos primeiros 12 meses após a cirurgia, em que o novo metabolismo está acontecendo. Do ponto de vista fisiológico, após a cirurgia, o álcool é absorvido mais rapidamente no organismo, o que faz com que seus efeitos sejam sentidos de forma mais intensa e rápida. Além disso, a taxa de metabolização do álcool também se altera, tornando o efeito prolongado. Isso pode levar a uma maior vulnerabilidade ao abuso ou dependência de álcool, especialmente se a pessoa já tinha uma predisposição genética ou um histórico de uso abusivo de substâncias. Isso tem relação com o controle inibitório do sistema nervoso central. Do ponto de vista psicossocial, a mulher que faz bariátrica normalmente tinha uma relação ruim com o seu corpo, com efeitos como isolamento social e vergonha de se relacionar com parceiros/parceiras. A partir do momento em que emagrece, se sente mais bonita e atraente, tende a socializar mais e, infelizmente, a socialização está muito ligada ao álcool e ele, em vários casos, acaba se tornando uma via de inserção em grupos, uma forma de comemorar a nova fase de vida, e é aí que o perigo surge. Por isso, um preparo psicológico adequado antes da cirurgia bariátrica é fundamental. O correto é que as pacientes saibam que o consumo de álcool deve ser evitado ou rigorosamente moderado tanto antes quanto após o procedimento. Antes da cirurgia, é importante avaliar e discutir qualquer histórico de uso de substâncias com o cirurgião e o psicólogo. Após a cirurgia, as pacientes precisam ser informadas sobre os riscos aumentados de alcoolismo, bem como a importância de monitorar seu comportamento e emoções. Participar de grupos de apoio e contar com acompanhamento psicológico são essenciais para prevenir o desenvolvimento de problemas relacionados ao álcool e garantir uma recuperação saudável e sustentável. Nem sempre isso acontece. Ainda não deram a devida importância a essa questão.

 

Alcoolismo Feminino: Quais são os desafios psicológicos enfrentados por mulheres com obesidade que podem influenciar o consumo de álcool? Como essas questões podem ser abordadas em terapia?

 

Ana Sivieri: Mulheres com obesidade enfrentam uma série de desafios psicológicos que podem influenciar o consumo de álcool, incluindo baixa autoestima, estigmatização social, pressões estéticas e o uso emocional da comida. Esses fatores podem aumentar a predisponência ao consumo abusivo de álcool como uma forma de lidar com as emoções e o estresse. Existem várias maneiras de abordar essas questões na terapia, começando pelo acolhimento dessa mulher. Ter uma doença como a obesidade é algo desafiador. Além das questões estéticas, como já mencionei, a gordura funciona como um fator desencadeador para doenças associadas, desde as clássicas como cardiovasculares e metabólicas, até 13 tipos de câncer, incluindo o câncer de mama. Então, é preciso trabalhar, de forma individual ou em grupos, para aumentar a autoestima e promover a autocompaixão, ajudando as pacientes a aceitarem suas vulnerabilidades e lidarem de forma saudável com as pressões sociais e pessoais em um primeiro momento, caso contrário, ela se sente culpada. E ninguém é culpado por ter uma doença multifatorial. Não basta fazer dieta e exercício físico. A obesidade tem fatores que nem sempre são controláveis sob o ponto de vista comportamental. Assim, quando se frustram por viverem um efeito sanfona, podem recorrer ao álcool ou à comida, por exemplo. Nesse caso, a terapia ajuda com técnicas para lidar com o estresse, ansiedade, tristeza e outras emoções difíceis. Isso inclui estratégias como a resolução de problemas, técnicas de relaxamento e habilidades de regulação emocional. É possível também ajudar as pacientes a identificar e desafiar pensamentos disfuncionais sobre si mesmas, sua imagem corporal e o uso de álcool como forma de lidar com o estresse. Mudando essas crenças, elas podem desenvolver uma visão mais saudável e realista sobre seu corpo e encontrar maneiras mais adaptativas de lidar com as emoções. Por fim, no meu entendimento, a psicologia é uma profissão da saúde, sendo assim, uma das formas de trabalhar, que é minha abordagem, é atuar de modo interdisciplinar, com outros profissionais, como psiquiatras, nutricionistas, educadores físicos, endocrinologistas e cirurgiões bariátricos.

 

 

Alcoolismo Feminino: Em 2023, a Agência Nacional de Saúde (ANS) divulgou os números de cirurgias bariátricas: 252.929 realizadas por planos de saúde, 14.850 de forma particular e 44.093 pelo SUS. Diante desses dados, como você avalia o acesso à cirurgia bariátrica no Brasil?

 

Ana Sivieri: Vendo esses números, entendo que o acesso à cirurgia bariátrica e metabólica no Brasil vem acompanhada por grandes desafios e desigualdades. Embora esse número total de cirurgias realizadas por planos de saúde seja expressivo, o acesso pelo SUS ainda é limitado. O número de cirurgias particulares é baixo, indicando que poucas pessoas conseguem arcar com os custos desse procedimento sem a cobertura de um plano de saúde.

Essa disparidade reflete as dificuldades enfrentadas por quem depende exclusivamente do sistema público. A fila de espera pelo SUS é longa, e o acesso pode ser restringido pela necessidade de atendimentos multidisciplinares antes e após a cirurgia. Para você ter ideia, é preciso passar por dezenas de exames e consultas com diversos profissionais, o que nem sempre é amplamente oferecido ou de fácil acesso. Não há uma coordenação nos tempos e movimentos desses exames e consultas, o que impacta diretamente a saúde física e emocional dos pacientes que esperam pela cirurgia.

A conscientização sobre a importância de uma preparação adequada, tanto física quanto psicológica, também é um ponto crítico. Muitos pacientes não recebem o suporte psicológico necessário, o que pode comprometer o sucesso da cirurgia a longo prazo. Portanto, é necessário um investimento maior na estrutura e nos recursos para ampliar o acesso a esses cuidados no SUS, além de um esforço para promover mais educação e suporte multidisciplinar em todo o processo.


Alcoolismo Feminino: Na sua opinião, como o Estado poderia agir para proteger a população de práticas como a indicação de ganho de peso para se qualificar para a cirurgia bariátrica?

 

Ana Sivieri: O Ministério da Saúde reconhece a obesidade como um problema de saúde pública e tem algumas ações preventivas, o que já é um ponto positivo. Temos o Guia Alimentar para a População Brasileira, além de ações interessantes no nível da Atenção Primária. Porém, vejo que essas ações difusas chegam de forma diferente. Basta pensar nas diferenças socioeconômicas e culturais dentro do Brasil. Enquanto o ideal é todas as pessoas terem acesso a comidas in natura e preparo saudável, vemos indústrias de ultraprocessados – verdadeiros venenos à saúde, baratear os preços dia a dia. Diante do quadro epidemiológico do Brasil, especialmente o aumento da obesidade infantil, e de uma visão romântica da obesidade por parcela da sociedade, acho que deveriam intensificar as campanhas de conscientização sobre os malefícios da obesidade e tratando-a como ela é: uma doença. Mas não basta ficar só nesse âmbito. É preciso entender de forma sistêmica na política, isto é, para além de qualquer campanha, política ou programa no nível da Saúde. Vejo que o cenário melhoraria se houvesse políticas mais justas e rígidas nos níveis econômico e tributário, assim como deveria acontecer com o álcool. Vou dar um exemplo que, para mim, é emblemático: poderia ser mais incentivado o hábito de comprar alimentos em ceasas, feiras livres e locais que agricultores familiares vendam o seu produto; de um modo geral estes agricultores não empregam tantos agrotóxicos quanto a agricultura empresarial. Além disso deve haver uma campanha de conscientização no sentido de diminuir ao mínimo a ingestão de alimentos altamente processados.

Outra questão é com relação ao acesso às cirurgias bariátricas e metabólicas. Hoje elas são mais seguras que uma simples cirurgia de vesícula e, na maioria das obesidades recidivantes (aquelas do “efeito sanfona”), é a única solução para trazer saúde e longevidade. Sendo assim, por que não facilitar a integração entre exames, criar centros de tratamento da obesidade e reduzir impostos sobre a suplementação posterior à cirurgia? 

 

 

 

 

 
 
 

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